Existe uma paz subterrânea e não a dos túmulos:
abaixo do chão, nascida de subtração,
a serenidade pulsa, em êxtase de cuidado.
Quem vai buscá-la se perde em comunhão.
Quem vai assassiná-la a encontra assassina:
a paz não perdoa, picada de cobra ao meio-dia.
Vou cavar um túnel com uma das mãos limpas
e com a outra vou enxugar o suor e a centelha
de minha pele, e os dedos passarei por entre os cabelos
disfarçando o vento e as direções.
A paz está embaixo, cavarei até lá, até não poder
suportar o calor de sua exausta calmaria.
Aqui está ela, cheguei chegamos juntos,
eu e a paz que nos persegue e nos dizemos sempre
algumas palavras presas à medula,
quando juntos respiramos coisas convulsivas
como a paz dos depósitos vazios, das lojas saqueadas,
que mostro a todos e me dizem que não estou morto.
Estou com ela, estou em paz, que me arranha e adormece,
fera fenecida, flor de espinho em vez de pétala, magnífica.
Agora ela me cava e me cativa, e no meu fundo
sumidouro de unha e carne
então nos encontramos de novo, cada um de nós
aberto descoberto e cego apenas de tanta luz tanto mistério.