Agora eu já não sei
se este poema é meu:
na tela, sem papel, as palavras
se formam sobre a luz azul e falsa.
Tudo é limpo, sem garranchos e sem
correção de tipos.
Meu computador deleta, corrige,
faz em silêncio uma faxina completa
e cria a suspeita
de que nem só de mim
a escrita se alimenta.
Atrás do poema, escondido
em alguma transparência,
o dicionário eletrônico ampara
a minha dúvida, que não dura o tempo
de apertar a tecla.
Sou guiado e consigo
escrever na minha língua
com shift, pause, control, enter quando preciso
escrever sobre a impressão
que me causa a espinha de um peixe.
Tudo ficará nesse mundo de líquido
cristal, sem textura e sem tempo.
Mas não são tempos melhores
esses em que escrevo:
os limites são os mesmos,
e recomeço o poema.