Não há como escapar. Mesmo que levassem você para a caverna de Platão e o deixassem lá, imobilizado, de costas para a entrada e para o fogo, as imagens seriam projetadas na pedra e dançariam uma dança disforme diante dos seus olhos. Mas o pior, como diz o autor deste livro, é que do lado de fora as imagens que nos assediam com seus encantos, especialmente os eletrônicos, não são menos deformadas e deformadoras.
Nas próximas páginas, Felipe Fortuna interrompe seu trabalho de criador de poesia a fim de praticar um outro modo de abordagem da realidade: o do ensaio não acadêmico, que manda ser sábio escondendo a erudição, manter-se profundo sob o verniz da leveza. Nos ensaios aqui reunidos, tais características tomam o nome de Visibilidade – a visibilidade possibilitada pela clareza da escrita e a capacidade de desentranhar os significados que moram nas imagens artificialmente iluminadas para ofuscar aqueles que a veem.
As imagens pelas quais o autor começa a análise são, naturalmente, as da televisão, maior produtora de imagens da sociedade atual. Mas Felipe também extrai o núcleo de imagens saídas de quadrinhos, colhidas em notas de mil cruzeiros (que sumiram levando de roldão a efígie de Machado de Assis), capturadas embaixo de um sinal de trânsito que se fecha para o pivete. As imagens desentocadas da caverna dos mitos contemporâneos são ou tendem a ser universais; mas a inteligência que as faz visíveis, a fim de julgá-las, mantém-se na perspectiva brasileira, evidenciada no humor e nessa invencível disposição quixotesca que volta e meia leva o escritor a investir contra moinhos de vento, que não são imagens de gigantes, mas gigantes de verdade.
Mario Pontes