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Artigo de Sérgio de Sá

CORREIO BRAZILIENSE
Caderno Dois
Quinta-feira, 8 de junho de 2000
O QUE SALTA AOS OLHIOS
Felipe Fortuna analisa as imagens da mídia no livro Visibilidade
Sérgio de Sá

COMENTA-SE POR AÍ QUE, HOJE EM DIA, SOMENTE AS COISAS VISÍVEIS EXISTEM. TER VISIBILIDADE, DAR VISIBILIDADE. EIS O SEGREDO PARA ENFRENTAR UM MUNDO QUE SE DEIXA DOMINAR PELAS IMAGENS DO JORNAL. DA REVISTA E DA TELEVISÃO.

Para dar conta disso, o diplomata Felipe Fortuna costuma abandonar temporariamente a elogiada veia poética e encara o desafio de interpretar. O que significa a cara do escritor Machado de Assis estampada numa nota de 1000 cruzados? O que quer dizer a vinheta criada pelo designer Hans Donner para a Rede Globo?

O livro Visibilidade reúne 22 textos resultantes de tudo que “salta aos olhos”. Oito são inéditos, 14 foram publicados na imprensa ao longo de 12 anos. Filho do cartunista Fortuna, do Pasquim, Felipe foi atraído “naturalmente” pela imagem. Pequeno, ia bisbilhotar o trabalho do pai. “Isso seria a raiz psicanalítica, se é que posso dizer isso”, diz — e desdiz — Fortuna, o filho.

De volta a Brasília, onde viveu de 1989 a,1994, Felipe estará esta noite no restaurante Carpe Diem para autografar esses “ensaios sobre imagens e interferências” agrupados em seu sétimo livro. Da mesma forma que se propõe a interpretar (um hermeneuta, portanto), ele também fala com naturalidade de semiótica e de desconstrução da notícia. A filiação teórica não parece determinante. O mundo é um caos, afinal.

IRONIA

Importa a “compulsão interpretativa”, que começa nas imagens (e seus sentidos) e vira palavra. Ao contrário do pai, Felipe não desenha urna vírgula. É no texto que encontra a oportunidade de exercitar, com fina ironia, o (bom) humor que lhe pertence de maneira, digamos, genética. Os textos fazem conexões com as pertinentes leituras de Roland Barthes, cujo Mitologias é um modelo, e Umberto Eco, que também publicou em jornal análises sobre a indústria cultural (por exemplo, as que estão em Viagem na irrealidade cotidiana). Mestre em Literatura Brasileira pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, com dissertação sobre o Simbolismo, Felipe procura estabelecer unia relação sarcástica com a notícia. A intenção é encontrar o mito por trás do fato que ocorre e morre no tempo. O pressuposto é “desatualizar para dar permanência.

TEVÊ

“Toda notícia hoje em dia é uma imagem violenta”, resume o ensaísta. Na verdade, a notícia como tal não está mais na televisão brasileira. Há apenas sequência de imagens. “O telespectador não consegue perceber diferenças entre as imagens de Ruanda, Somália, Etiópia ou Serra Leoa”, exemplifica. Assim, a tevê, concentrada na imagem, organiza fraudulentamente o espaço e o tempo da notícia. Segundo Felipe, o noticiário sobre a invasão do Kwait foi o início (o turning point, como diz) do show, da indistinção, do fim da função informativa da tevê.

Além disso, ele sente a ausência de discussões sobre o meio de comunicação. “Não temos nenhuma discussão democrática sobre a televisão.” O livro tenta suprir isso. Em “Arte de Vinheta” e “Nação Falsificação Televisão”, lança olhar sobre a publicidade, considerada pilar do mais relevante media da atualidade. Para Felipe, não é mais possível tornar a tevê somente como mero entretenimento. “Ela é e será sempre cultura de massa. Mas nada impede que se manifeste interesse em descontruir seu discurso.” Não ao consenso, pois. Há pouco do poeta Felipe Fortuna — com três livros publicados e um projeto literário na mente — em Visibilidade. São de natureza poética, entretanto, quatro textos que discorrem sobre humor. Em “Borjalo: o Caçador de Sutilezas”, o autor aponta a “incompatibilidade irônica” que traz graça aos desenhos de Borjalo e os “gestos de delicadeza” que aproximam seus traços do humano.

Outros temas do livro: os seios da atriz Cicciolina, os novos signos disseminados no dia-a-dia pelo computador, os resultados do bug do milênio, a sexualidade infantil escancarada nas telas brasileiras, a violência associada aos pivetes-pixotes Nesse mundo de tentações visuais, Felipe Fortuna não consegue deixar que as coisas simplesmente sejam. Parte em busca do invisível.

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