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Artigo de Severino Francisco

Jornal de Brasília
Quinta-feira, 5 de novembro de 1992

A POESIA SENSUAL DE FELIPE FORTUNA
Severino Francisco

No ano passado, o poeta-crítico Felipe Fortuna foi a pedra, mas agora ele será a vidraça. No ano passado, ele publicou o livro de crítica literária A Escola da Sedução, dando uma geral na produção dos principais poetas brasileiros contemporâneos. E, hoje, a partir das 19h, no restaurante Carpe Diem, Felipe lança Atrito (Alarme Editora), o seu segundo livro de poemas. Ele é carioca, diplomata do Itamaraty e está radicado em Brasília desde 1989.
Felipe FortunaA sensualidade perpassa os poemas de Atrito com uma força muito maio do que aparecia em Ou Vice-Versa (1986), o primeiro livro. Mas ele continua escavando com a palavra os temas da morte e do silêncio. Homenagens implícitas são erigidas com ironia e humor, em alguns poemas, a João Cabral de Melo Neto, a José Paulo Paes e ao existencialismo francês de Sartre. É possível captar ressonâncias drummondianas na dicção da poesia de Felipe Fortuna: “Drummond é o nosso professor de modernidade em poesia. Foi ele quem perdeu a vergonha de ser coloquial. No plano da linguagem, é difícil encontrar um poeta brasileiro contemporâneo que não tenha sido marcado por Drummond.”
A qualificação de Felipe como crítico pode ser atestada através de um insólito episódio. Felipe escreveu um ensaio com observações críticas sobre a poesia de Adélia Prado e esta reconheceu a pertinência das restrições levantadas e, em suas palavras, resolveu “abjurar” ou eliminar os poemas de sua obra completa. E ele não vê oposição entre o crítico e o poeta: “Eu acho que no meu livro de poemas se manifestam todas as exigências críticas que coloco para outros poetas quando escrevo ensaios.”
E, mesmo na posição de vidraça, Felipe não nega fogo quando provocado. Ele observa que, atualmente, alguns poetas estão produzindo muito mais notas de pé de página do que propriamente poesia: “Estão levando ao desespero o cerebralismo da poesia e poesia e trabalhando com um tal volume de citações que levam a um hermetismo total. Isto produz o efeito de várias vozes falando ao mesmo tempo. Eu noto isto em alguns poemas de Sebastião Uchoa Leite, de Regis Bonvicino, de Rubens Rodrigues Torres Filho e de Ronaldo Brito. Esta poesia é produto do saber acadêmico de tese de mestrado e doutorado. Está sendo feita como se o público da poesia fosse todo ele acadêmico. Eu acho isto uma perda de percepção, algo que limita ainda mais o já pequeno público da poesia.”
Mas Felipe faz questão de espicaçar também o outro extremo desta visão, manifestada pelo crítico Wilson Martins, o autor de História da inteligência brasileira, que afirmou, em recente entrevista para a revista Veja, que a poesia parou nos últimos 30 anos. “Em primeiro lugar, eu quero saber se ele tem lido a poesia de Hilda Hilst, Armando Freitas Filho, Roberto Piva, Paulo Leminski, Adélia Prado, ou José Paulo Paes. E, além disso, ele elege Affonso Romano de Sant´Anna como o sucessor de Drummond. É preciso acabar de vez com esta bobagem de achar que um poeta substitui o outro. Drummond não substituiu Bilac. É preocupante que uma pessoa com essa visão e essa sensibilidade para a poesia tenha escrito uma História da inteligência brasileira.
Além dos já acima citados, Felipe menciona como bons poetas no atual quadro brasileiro Frederico Barbosa, Pedro Paulo de Sena Madureira e Chico Alvim. “Só se percebe a dimensão da obra de um poeta depois de algum tempo. Um poeta demora cinco anos para juntar 50 poemas em um livro. Essa história de a poesia parou é uma coisa mórbida. É uma atitude de alguém que se coloca como um dissecador de corpos. Os poetas concretos também afirmaram que a partir dali não seria mais possível fazer poesia. É como o Fukuyama anunciando o fim da história.”
Dois aspectos interessantes na nova safra da produção da poesia brasileira destacada por Felipe Fortuna são o diálogo com a música popular e com as artes plásticas. A poesia brasileira vai bem. O que falta, muitas vezes, é sensibilidade para captar o momento da criação: “Eu participei de um encontro sobre a nova poesia brasileira, organizado pelo Augusto Massi, em São Paulo, e fiquei espantado com a preocupação acadêmica sobre como seria possível escrever poesia depois da poesia concreta. Ora, acho que se trata de uma discussão datada. Depois da poesia concreta, José Paulo Paes enveredou pela poesia de humor, pela epigrama. A coleção Claro Enigma publicou alguns poetas excelentes. Felipe Fortuna acha o último livro de Drummond interessante. Mas observa: “Ainda é u erotismo muito envergonhado. Ele usa palavras nobres para designar órgãos genitais.”

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