Experimenta vestir a minha sombra enviesada.
Vê se com ela tu podes andar na rua
sem que o guarda se lembre de alguma lei
ou se tu podes negociar com o deputado
o teu atentado ao pudor.
Reflete sobre a civilização ocidental
durante pelo menos um minuto
– o suficiente para que te incluas nela.
Com a minha sombra
tu poderás decifrar o fundo do mar
– pois que nenhuma sombra, ao que parece, chegou lá.
É minha a sombra enviesada, enviesada
como o calor das plantas, o cheiro da benzina,
a radiação da luz néon.
Foi costurada em estilo moderno, como todas
as roupas que eu conheço.
Cabe em ti perfeitamente, e já me pertenceu um dia:
até que descobri na sua dobra, pespontada,
uma etiqueta a me informar
que a sombra não me pertencia.
É preciso me tornar caridoso,
e entrego minha sombra a outro.