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Entrevista

Jornal de Alagoas
Domingo, 26 de julho de 1987

A LUCIDEZ LITERÁRIA DE FELIPE FORTUNA
entrevista a Rosalvo Acioli Júnior

O talento literário e capacidade poética de Felipe Fortuna, um desses poucos e verdadeiros artistas da moderna poesia brasileira, fazem lembrar o falecido poeta piauiense Mário Faustino. Também como este, Felipe Fortuna exerce o jornalismo literário no Jornal do Brasil, manifestando seu vivo interesse pelos novos poetas. Referindo-se à sua condição de poeta e de crítico literário, nesta entrevista, que me concedeu no Rio de Janeiro, Felipe Fortuna fala sobre seu livro de estreia, Ou Vice-Versa, e aborda questões importantes sobre a literatura brasileira atual.

– Felipe, você acaba de estrear na literatura brasileira com Ou Vice-Versa. Como foi a experiência desse livro?
Ou Vice-Versa reúne os meus primeiros poemas e nele trabalhei muito tempo porque, tendo sido escrito a partir dos meus dezesseis anos, inicialmente era bastante volumoso – chegou a ter duzentas páginas. Com o trabalho contínuo de cortes e de supressões diversas, e mesmo de poemas inteiros, o livro se resume a cinquenta e quatro poemas que mostram bem o itinerário poético que eu trilhei a partir da influência de leituras e da formação acadêmica, por ter sido aluno da graduação e mestrado em Letras. Do livro retirei todos os poemas amorosos. Então, ele é basicamente muito triste e deve marcar uma espécie de rebeldia negativa própria da adolescência, um livro que tem um certo inconformismo, mas de cunho bastante pessimista no final. É claro que, agora, já não tenho a possibilidade de manter essa mesma posição, e felizmente, tendo retirado os poemas amorosos e eróticos do livro, eu faço questão de publicá-los proximamente num outro livro, que se chamará Poemas da Pele.

– Quais foram as leituras que lhe influenciaram na concepção dos seus poemas?
Ou Vice-Versa marca a leitura de Mário Faustino, Fernando Pessoa e João Cabral de Melo Neto que, de alguma maneira, influenciaram meu verso. Alguns críticos, a exemplo de Ivan Junqueira, numa resenha n´O Estado de S. Paulo, e Reynaldo Bairão, em O Globo, observaram a presença do silêncio e da morte na minha poesia, o que se deve efetivamente a essa fase de formação literária em que existem dois problemas: primeiro, o do silêncio, que é uma atitude metafísica, em relação ao próprio silêncio da criação e da receptividade poética. Segundo, há o problema da morte, o do perigo iminente que se tem de morrer antes de ser conhecido.

– A concepção formal da sua poesia apresenta uma contenção da linguagem…
– Eu gostaria de desenvolver esse ponto porque tem servido a um certo mal-entendido. O problema todo é que, atualmente, o verso metrificado é considerado atitude acadêmica. Eu creio que acontece uma brutal desinformação, uma vez que o formalismo não é evidentemente marcado pelo tamanho do verso, ou mesmo a dicção nele imposta – e sim por uma atitude de beletrismo, que está presente muito mais no que o poema tem a dizer do que na forma como isso foi dito. Claro que, atualmente, as discussões sobre a poesia se reduzem às discussões de formas, com as quais eu até mesmo concordo. Repare Que a influência de maior contenção vocabular e formal se origina de um dos poetas mais ativos da nossa modernidade poética, que é João Cabral de Melo Neto. E ele escreve basicamente com o metro de sete sílabas (tirado dos repentistas) e o metro de oito sílabas, influência da poesia espanhola. Eu não creio que se possa considerar academicismo uma espécie de renovação na linguagem proposta por essas formas. E gostaria que a possível crítica feita ao meu livro não se detivesse nesse topo de dicotomia inválida sobre forma e fundo, coisa que já faz parte da pré-história das nossas teorias literárias.

– A propósito, atualmente estão pontificando as teorias da recepção e da hermenêutica
– A discussão hoje está, como sempre, limitada ao círculo acadêmico e há professores que trilham outros caminhos. No Brasil, há uma discussão sobre quem teria introduzido a teoria da recepção em nosso país – Wilson Martins escreve sempre que foi ele quem principiou tudo, em textos que datam da década de 60. De qualquer maneira, a estética da recepção não está de todo presente em ensaios de intelectuais brasileiros. Mas eu citaria Luiz Costa Lima como uma das pessoas que, de fato, tem desenvolvido com vigor a defesa da estética da recepção.

– Em relação à análise literária, você tem, nos últimos dois anos, publicado uma série de artigos no Jornal do Brasil. Como tem sido esse trabalho?
– Quando iniciei minha colaboração no Jornal do Brasil, eu tinha na cabeça pelo menos um princípio básico, que era o de apenas me deter na crítica de poesia. Porque tenho notado que o jornalismo literário é superficial e se dispersa em assuntos os mais variados. O que ocorre, então, é que a resenha literária – que hoje substitui a crítica literária – está sendo feita de uma maneira extremamente irresponsável. Na verdade, se reduziu a um mero registro crítico sobre lançamentos de livro. A minha intenção é sair do mero registro da resenha e produzir artigos literários quase beirando a dimensão do ensaio. Tenho tido boa receptividade – a sua é um exemplo do que estou dizendo. Em relação aos artigos de revisão das obras de poetas, o que eu faço é postular novas leituras de autores ainda pouco estudados, como, por exemplo, Armando Freitas Filho, Roberto Piva, Adriano Espínola. À parte essa produção de crítica literária sobre poesia, sou responsável também por uma colina do Jornal do Brasil chamada “Texto Novo”, que publica poemas, basicamente. Essa coluna é semanal – e, por ser semanal, não vou descobrir cinquenta e dois poetas novos por ano. Mas o esforço é de descobrir cinquenta e dois poetas razoáveis por ano. Creio que assim ajo de modo mais generoso – e não de modo, vamos dizer, castrador e polêmico, sempre atribuído ao crítico literário.

– Nessa seleção de poetas novos é que está um dos pontos altos do seu trabalho, pois existe uma corrente – forte, ou aparentemente forte – que isola, tira do contexto poetas que têm valor.
– Creio que teremos de estabelecer alguns pressupostos sobre o assunto. O Brasil ainda é, culturalmente, uma nação provinciana, uma vez que o debate cultural ainda se concentra naquele Triângulo das Bermudas, formado por São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. É muito difícil que um poeta tenha projeção fora dessa tríade de cidades em que se concentram livrarias e editoras, e ainda a mídia. Cito, por exemplo, a discussão mantida hoje, em grandes jornais, a propósito do Concretismo. Muitos poetas daquele grupo e vários epígonos afirmavam que não se podia levar adiante uma discussão sobre poesia sem considerar Mallarmé e “Un Coup de Dés”. Ou outros poemas considerados como pontos altos – não importa se da fragmentação ou da própria impossibilidade de se fazer poesia. Por outro, a discussão sobre o pós-moderno está caindo no nível da baboseira pura, e só tem produzido o que eu chamaria de uma diversidade inculta. Lembro aqui do livro de Marshall Berman, Tudo o que é sólido desmancha no ar. Eu considero que os poetas tanto do Concretismo quanto do pós-moderno são os próximos que vão se dissolver no ar do vigor literário.

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