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Entrevista ao Correio Braziliense

Correio Braziliense
Suplemento Pensar
Sábado, 18 de junho de 2005

POESIA DA LUCIDEZ
entrevista a Nahima Maciel

O crítico, diplomata e poeta Felipe Fortuna ficou agradavelmente surpreso quando recebeu do cientista político Sérgio Paulo Rouanet o prefácio para Em seu lugar. No texto, Rouanet fala de Felipe como o poeta das coisas inacabadas. Foi surpresa porque o autor, também crítico de poesia, nunca havia imaginado essa perspectiva. “Me pareceu uma leitura muito sensível em que ele capta os parênteses em branco, os espaços de silêncio, o problema da ausência”, explica Felipe. “Eu havia notado na minha poesia uma preponderância dos temas da morte, da solidão. Mas não havia percebido um tipo de visão que Sérgio Paulo Rouanet teve em relação ao terna das coisas incompletas.”

Talvez seja essa a vantagem de publicar um volume de poesias reunidas aos 42 anos de idade e 20 de carreira literária. O conjunto permite leituras coesas da obra e indica, sem lacunas, a trajetória do poeta. Em seu lugar será lançado em Brasília na próxima quarta-feira e contém, além dos três livros já publicados por Felipe – Ou vice-versa (1986), Atrito (1992) e Estante (1997) – uma nova safra de poemas.

São versos escritos recentemente, em que temas como a viagem e a distância estão muito presentes, frutos da vida nômade exigida pela carreira diplomática. Também são espécies de sinais para as investidas atuais de Felipe. “Estou escrevendo três poemas longos, então decidi reunir os poemas que tinha feito até o momento como que para dar início a uma nova fase na minha poesia”, revela. “São poemas sobre três temas e vão formar um livro novo que, acredito, seja diferente do tipo de poesia que eu vinha fazendo até agora.” Adido cultural da Embaixada do Brasil em Londres, onde mora, falou ao Pensar sobre o novo livro, a poesia brasileira, a prática da crítica e as angústias do poeta.

CORREIO BRAZILIENSE – Os poemas novos refletem um pouco da sua experiência pessoal?

FELIPE FORTUNA –Em Em seu lugar aparecem poemas que escrevo um pouco sobre a condição de estar fora do Brasil. Como sou diplomata, passo um bom período da minha vida fora do Brasil, portanto, longe da família e de muitos amigos. Em seu lugar reflete um pouco essas perdas e, obviamente, os novos ganhos que se tem quando você está confrontando uma realidade nova ou uma situação diferente da que existe no seu país.

CORREIO — Quando você identifica os temas nos livros anteriores a Em seu lugar, você também identifica fases? Quais seriam as temáticas que definiram as fases dos livros anteriores?

FORTUNA— É muito difícil para o próprio poeta falar sobre a divisão em fases. Na leitura dos livros, de todos eles, desde o início, eles estão divididos em temáticas. No primeiro existe uma divisão entre os poemas relacionados às palavras. No mesmo livro existe uma seção chamada “Vasto Mundo”, que se refere a questões do cotidiano, do relacionamento humano. Na verdade, existe uma organização que já demonstra essa ideia das fases.

CORREIO — Devolvendo o questionamento de Rouanet no prefácio, não é cedo para um poeta de 40 anos publicar obras reunidas?

FORTUNA – É urna pergunta difícil. Alguns poetas da minha geração já têm obras reunidas. Alexei Bueno e outros poetas já fizeram até mesmo antologias como, por exemplo, o Carlito Azevedo. Hoje em dia muitos poetas já têm site na internet e colocam seus livros de poemas, de maneira que a obra completa já está ali, sendo consultada. Também tenho um site de poesia onde consegui colocar os dois livros iniciais e um livro de críticas, porque estavam esgotados. E obviamente que é muito mais fácil dispor esses livros na internet do que encontrar uma livraria que tenha o livro, de tal maneira que hoje a própria ideia de obra completa se transformou.

CORREIO — Como crítico, qual a sua avaliação do poeta Felipe Fortuna? FORTUNA — Acredito que eu seja um poeta realmente inserido no contexto atual, que esteja refletindo problemas e esteja apresentando questionamentos sobre meu tempo e que tenho procurado uma linguagem na qual possa me definir de uma maneira mais consistente e mais intensa. É uma poesia que tem elementos cultos, elementos de alusão literária, que tem um certo cuidado pela forma e absorve tradições de nossa literatura em vários pontos, mas nada disso, na verdade, consegue me fazer ver com clareza no momento que estou criando, escrevendo, a que tipo de estrutura estou me filiando.

CORREIO — E quais são suas influências hoje?

FORTUNA – Por força das leituras que tenho feito recentemente, acredito que a poesia inglesa moderna, esteja influenciando alguns elementos da minha poesia mais recente. Eu citaria Philip Larkin e Ted Hughes. Tenho prestado bastante atenção nos processos dessas poesias, na vertente irônica, muitas vezes coloquial, no tipo de observação minuciosa que cada um desses poetas faz das experiências cotidianas.

CORREIO — E Drummond, continua muito presente?

FORTUNA – Acredito que sim. E não só para mim. O poeta brasileiro certamente traz alguma marca do Drummond na sua linguagem, porque Drummond criou uma espécie de corpus modernista que provocou várias questões. Poemas como “José” e “Uma Pedra no Meio do Caminho” marcam avanços e pontos importantes da evolução da nossa poesia sobre os quais um poeta que vem depois precisa também refletir.

CORREIO — O que você acha muito valorizado hoje na literatura brasileira? FORTUNA – Atualmente, perde-se muito tempo com o debate sobre o problema do rigor na poesia e sobre as questões de forma, que em geral estão ligadas à herança dos concretistas. É inegável que os poetas concretos deixaram uma marca na poesia e uma herança, sobretudo na parte de tradução e crítica, que precisa ser compreendida e avaliada. O que eu acho que vem acontecendo é uma espécie de distorção desse tipo de poesia que faz com que poetas se declarem “poetas de invenção”. Essa poesia de invenção, segundo as pessoas que falam nisso, é uma poesia que dá muita ênfase ao processo metalinguístico ou a um processo que se diz inovador. É algo que Ezra Pound definiu no ABC da literatura. Como tinha cabeça muito fascista, separou os poetas em várias categorias e uma delas, que seria a mais consagrada, reúne os inventores de processos. Então os poetas acham que é elogiável participar dessa categoria. Isso é uma hipervalorização que distorce a recepção da poesia, porque o poeta inventor só será apontado como inventor depois de um longo processo histórico.

CORREIO — O que é pouco valorizado?

FORTUNA — Talvez o que seja pouco valorizado na poesia do Brasil, e aí é um elemento até contraditório, é que nós temos uma música popular muito rica na tradição do cancioneiro, como Noel Rosa, Lamartine Babo, Ary Barroso, chegando a Vinícius de Moraes, Chico Buarque e Caetano Veloso. Ora, aqueles poetas que não são necessariamente letristas de canções populares, que têm um verso melodioso ou um verso mais próximo de algo que seria a canção, são pouco valorizados pela crítica. Cecília Meireles, que tem os poemas marcados pela presença da música, também foi pouco valorizada, e os esforços de reavaliação sempre esbarram nesses preconceitos.

CORREIO — E o que acha da poesia marginal?

FORTUNA — É uma poesia que dificilmente deixou marca importante na nossa literatura. Foi feita por poetas de cultura geral muito pequena e produziu maus poemas. Existe um texto pouco conhecido do Antonio Candido que fala dessa poesia, se referindo a ela como feita de “sucata de cultura”. É um pouco isso. É uma poesia que tenta atualizar o estilo que Oswald de Andrade imprimiu em Pau Brasil, do poema-piada, do poema-minuto, instantâneo, e essa experiência me parece pífia do ponto de vista estético e pouco interessante para mim. A poesia marginal, para mim, não faz mais sentido. Acho que terminou no final dos anos 70. Acompanho hoje a poesia contemporânea, que não é mais classificada como marginal. O último dos marginais, inclusive, é o Nicolas Behr, um marginal canonizado, que ganhou uma edição de luxo, com fotos e um aparato crítico importante. Aconteceu também com Cacaso, que recebeu também uma edição de luxo, com capa dura. Isso mostra que todo poeta marginal, por mais marginal que seja, está apontado para o cânone, quer buscar o cânone.

CORREIO — A poesia brasileira é traduzida no exterior? E o que faz sucesso, além de Paulo Coelho?

FORTUNA — Não só a poesia, mas a literatura brasileira ainda é pouco conhecida no exterior. Têm sido feitos esforços ultimamente para que se traduzam mais livros brasileiros. O que tem feito sucesso recentemente é o outro Paulo, o Paulo Lins, e os livros do Chico Buarque, Rubem Fonseca e Patrícia Melo. Por outro lado, escritores como Machado de Assis têm por trás tradutores de muito boa qualidade e, às vezes, até estudiosos. Escritores como Milton Hatoum também conseguem espaço interessante. No caso do Milton Hatoum, acredito que o interesse pela literatura que ele escreve se deva ao fato de ele ser um personagem de origem cosmopolita. Ele é de origem libanesa, morava na selva amazônica. Esse choque de experiências produz um interesse internacional. Basta lembrar de Monica Ali e Jean-Christophe Ruffin Esse veio literário está muito na moda. São pessoas que migram do seu espaço e vivem uma experiência diferente da sua origem, ou que trazem informações diferentes e relatam um pouco isso.

CORREIO — Seria esse um caminho para a literatura brasileira no exterior? FORTUNA — Na verdade, a divulgação de um livro é sempre surpreendente. Outro escritor que tem um relativo sucesso no exterior é João Gilberto Noll, que faz uma literatura muito intimista. No romance Lorde ele vai para a Inglaterra e passa a viver uma situação que é totalmente diferente da situação que viveria no Brasil. Não sei dizer por que autores como Guimarães Rosa ainda atraem leitores, embora seja uma literatura muito complexa e de difícil tradução. Não sei dizer se o caminho da literatura brasileira para ter sucesso no exterior é o multiculturalismo, mas certamente nesse momento, isso é importante.

CORREIO — Em um dos poemas você fala que só consegue inventar o que acredita. No que acredita?

FORTUNA — Quando escrevi esse verso estava pensando que o poeta precisa ter um pacto com sua perfeição. Precisa escrever aquilo que é sua sensibilidade. Não adianta imitar estilos, escritores ou tentar fazer um pastiche do imaginário. O poeta precisa ter esse tipo de crença. Uma delas é a crença na poesia, no poder da linguagem poética, que ainda considero como a experiência literária. É uma experiência que reúne toda a sensibilidade da palavra. É uma crença minha. E a poesia é uma forma de lucidez na qual você aprofunda o mistério da nomeação, o mistério da relação entre as coisas, o mistério dos ritmos e do saber. E o poeta, às vezes, se vê diante de espaços vazios. É um pouco isso que tento escrever naquele poema “Os Espaços”, onde digo “Abro um armário que não tem Deus / e, portanto, serve para pendurar / as roupas daquele dia”. Quer dizer, depois de um dia inteiro, o poeta pode descobrir que o armário que ele abre agora está vazio de tanto ele ter buscado uma essência.

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