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Matéria do Zero Hora

Zero Hora
Quinta-feira, 28 de novembro de 1991

ENSINAMENTOS CONTRA A VELEIDADE

Os editores não aguentam mais receber originais de livros de poesia e os poetas não param de se queixar da insensibilidade das editoras que os condenam ao mimeógrafo. Apenas mais um dos infindáveis impasses que se acumulam sem solução e garantem a pitoresca realidade social e cultural do Brasil. O livro A escola da sedução, de Felipe Fortuna, editado pela Artes & Ofícios, é uma contribuição à polêmica. Reunindo 16 ensaios sobre poesia brasileira, o volume não revela novidades. Fortuna, um jovem diplomata de 28 anos, mestre em Literatura Brasileira pela PUC-RJ, examina obras de vates consagrados como Olavo Bilac, Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto.

Não se trata de uma coletânea de resenhas, mas uma seleção de análises que Fortuna vem publicando quase sistematicamente desde 1985, no Jornal do Brasil, no extinto Verve, no Estadão e no Jornal de Letras. O autor afirma que seu trabalho demonstra uma disposição contra a “leviandade generalizada do que lia em suplementos e revistas”, referindo-se às páginas dedicadas ao jornalismo literário. Fortuna entroniza-se, desde já, como um autêntico (e raro) crítico literário. Ele não está de todo errado, embora não mereça desculpas por não estar completamente certo. Afora o deslize, porém, a colaboração de Fortuna é bem-vinda.

A forma de seus ensaios é praticamente irretocável. O ensaísta domina a palavra sem apertos e a conduz com elegância. Essa capacidade é essencial na crítica à poesia, em que possíveis conflitos entre a forma e o conteúdo são menos desculpáveis do que em outros gêneros. Relação, aliás, que o próprio crítico preocupa-se em avaliar em algumas de suas análises.

É o que faz por exemplo com Affonso Romano de Sant´Anna e Thiago de Mello. O cotejo dos ensaios dedicados aos dois poetas é interessante porque denotam uma certa parcialidade que Fortuna não gostaria de deixar transparecer. Enquanto que em “A Construção Política” (publicado originalmente no Jornal do Brasil em 5/1/91) fica claro que crítico lê com generosidade sartreana os versos geralmente elegíacos de Sant´Anna, em “Thiago de Mello: os Enganos da Utopia” (Ideias, 27/12/86) ele foi implacável com as falhas estéticas do autor de “Os Estatutos do Homem”. Não menciona, por exemplo, o tom demagógico de Sant´Anna que se iguala à pieguice engajada de Thiago de Mello.

SAPO – “Ce crapaud-là c´est moi”. A epígrafe que parodia Flaubert, retirada de um verso de Tristan Corbière, é o primeiro bom momento do ensaio mais delicioso de A escola da sedução. É justamente o único texto inédito do volume, intitulado “Um Animal Noturno: o Poeta Simbolista”. Nele Fortuna desencava (verbo utilizado por Otto Lara Resende na apresentação da orelha) a figura e a importância do sapo no Simbolismo. Os poetas e sapos se igualam no canto à noite e às estrelas, às vezes representam a sabedoria e a tendência `meditação e, principalmente, se equiparam na situação de seres deslocados, em conflito com a realidade. Outras formas de presença dos anfíbios, além da recorrência nos versos, e a identidade entre o sapo e o simbolista são apresentadas com sabor peculiar. Fortuna cerca bem o tema, buscando seus indícios desde a mitologia antiga até suas citações ambíguas em linhas dos simbolistas.

A escola da sedução é capaz de ensinar muito. Há um raciocínio de Fortuna em “Roberto Piva: Pivô da Anarquia” (Ideias, 24/1/87) que serve como recado a alguns candidatos à aventura da poesia: “A mera intenção de ser marginal, acontecimento tão valorizado por poetas que querem ao menos salvar a vida, pois o que escrevem é mesmo medíocre, corresponde a um evidente artificialismo.” Ele isenta Piva de tal veleidade. Mas se trata de uma exceção.

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