Tenho dois corpos:
o meu e aquele outro
que quer se compor comigo.
Um dos corpos sente o outro
em meio à feroz alegria,
como amigo que brigasse
por causa de coisa nenhuma.
Ah meu corpo meus dois corpos
– qual dos dois é o que persigo?
Qual o que tem mais partes minhas?
Com qual deles ando e vivo?
O mundo todo é um corpo
de coisas que se combinam,
porosidades que tentam
voar, resolver, disparar um tiro.
Os dois corpos são confusos como o mundo,
e se o mundo tem vitrines
meus corpos também se olham
e entre os vidros se amam.
Ó mundo, que me fez tão diferente
dos corpos que passeiam:
ter dois corpos, com certeza,
é ter o mundo nas mãos.
Tenho dois corpos: mas
qual deles é o outro, o mais
distante do meu tato?
Corpos distantes não existem.
Talvez estejam adormecidos
no sono que a vida faz
de alumínio, de asfalto, de açúcar,
de pequenas mortes que os corpos
tentam matar. Os dois corpos
tentam viver para sempre.
E tenho dois corpos assim:
devo dizer, dois corpos curvos
de pele sem nome e paralela,
de olhos iguais aos dedos.
Um corpo me abraça, e o segundo
me faz sentir o mundo.
Um deles me abraça e me diz
que o segundo corpo é a raiz.