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Os Seres [1 a 4]

1

Toda história começa de repente.
E eu começarei a minha,
debruçado:
eis a história violada.
Eram mitológicos, eram seres
que caminhavam outros passos
– pois os seus se perderam em pareceres.
Eram homens com patas
de depois
que calcavam no tempo os seus futuros,
e eram muitas pegadas, geométricas,
apontadas, abissais
para escuros corredores de outras pernas atléticas.
Caminhavam brandos, os músculos
tensos e cansados como crepúsculos.

2

Tropeçaram em corpos decapitados,
viram sangue coagulado
sobre a lâmina,
mas guardam sob a pele anoitecida
um pouco da fuga que os machuca.
De suas lágrimas
descem cavalos
e desses cavalos
descem caminhos:
não param de chorar, para domá-los,
e deixam-se sozinhos.
“E essas fugas”, perguntam, “e essas fugas,
por que fugir
se tudo aqui retine
no corpo, nas mulheres
e nas rugas?”
Não respondem. E que ninguém ensine
a amar tal fuga, pois
enquanto a terra mais longe fica
mais neles se enterra.

3

E vendo os seus vestígios de derrota,
compreendemos seus choros sem estradas,
suas revoltas, suas palavras
e por que as mãos permanecem atiradas
numa fuga qualquer, além e antes.
A diáspora brutal é o pensamento:
tanto astronautas
quanto navegantes
– tudo, quando se vai, torna-se lento.
E eles, que novamente se abandonam,
parecem caminhar, embora morram.
Nunca adiantará aos sinos que soam
soar
pois mais sonoro é o suor.
E sobre cada caminhada estreita
só resta o pó da estrada e o da ampulheta.

4

Os olhos desses seres são enquanto.
As bocas desses seres são além.
E junto a eles a visão e o canto
são as íris e os seus dentes também.
Suas íris formam rios
– rios que parecem
navegáveis.
E os dentes
retalham a ventania e os desvios
como navalhas no ar, sobreviventes.
Pois assim continuam, infinitos.
Dos próprios passos retiram as horas,
das suas pulsações seus próprios gritos,
e nessa viagem que não se esgota
há algum pássaro
que circunda o vôo das canções, espantado.

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