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Resenha de Félix de Athayde

Jornal de Letras
Ano XXXVIII, no. 432,
Suplemento Letras & Artes
Ano II, no.13, dezembro de 1987

OU VICE-VERSA
Félix de Athayde

Tudo de novo mais uma vez repete-se começa”, com palavras. Redondo com uma certeza, para uns, o mundo ainda comporta muitas dúvidas e, por isso, muitas descobertas, para outros, – como para Felipe Fortuna, que falando de si, fala de todos nós – “ave através de outras aves”. Ele não se deita entre paredes. Antes, é a “fruta enfrentando o jardim” e para essa luta criou seu “idioma de sono e sonho” silêncio e palavra (poema) –, com que constrói um precipício para o alto.

O livro Ou Vice-Versa é um precipício para o alto: porque todo bom poeta constrói precipícios. Do alto de muitos poemas de Felipe Fortuna, o leitor cai, esborracha-se, descobrindo que é apenas um homem entre tantas coisas: um ladrão que “encontra o roubo já pronto”.

Diferentemente de outros da sua geração, Felipe Fortuna não brinca com o mundo; com olhar crítico, engana sua lucidez e tenta organizar o caos do cosmo, da vida humana, do silêncio. Desdobra-se no “avesso reinício” e inventa o que a credita, escreve. Escreve “com descrença dois, três poemas.” Mas, escreve-os com estrutura, com sobriedade, sem perfumar a flor, tentando dar-lhes “a densidade das pedras (…)”.

Da leitura deles, ressumam leituras de Cesário Verde, Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade, João Cabrald e Melo Neto – quase todos bons artesãos – mas, os poemas vicejam com sua vida, seu sangue, sua visão pessoal das coisas, “como um trigo sobrevivente da terra.

Sim, “de um verso para outros há derrotas” e, a meu ver, três derrotas seriam a piada oswaldiana “Momento Literário”, sobre o próprio Oswald de Andrade, o poema “Ansiedade” e o poema “A Tragédia da Existência”. Os quais não desmerecem o livro, que é bom e indica um poeta com boas palavras e vida. São, talvez, o ágio do momento presente. Duradouro, que vai durar e dourar, será “Menina Morta”, que arrebata logo na primeira estrofe – “Tua morte não foi tão imediata / como foi saber que estavas morta” – e mantém o arrebatamento até a última estrofe – “pois o mundo é a doença mais secreta”.

Em nenhum poema Felipe Fortuna é superficial. O que não quer dizer que seja insuportavelmente profundo. É cáustico, às vezes – o poema “Pregação”. O mais das vezes, o que é melhor, é “um cavalo / de repente”, movimentando a paisagem. Ás vezes, é silêncio. E vida, “sua presença terrível / no crepitar de um velório”.

O rígido não é rigor. Rigor é o horizonte que informa a construção dos poemas. Como a utilização do octossílabo, mais comum na língua espanhola do que na portuguesa, que funciona, ao mesmo tempo, como desafio e comedimento. Até seus versos livres são contidos, e duram o que uma respiração normal. Sem dúvida, a simplicidade dos seus poemas foi alcançada a duras penas. “Ao trabalho, ao trabalho: / pois a poesia pode / pairar perigosamente (…).”

Ou Vice-Versa é uma claridade.

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