O Estado de S. Paulo
Caderno 2
Domingo, 18 de janeiro de 1987
TALENTO COM MENOS DE TRINTA
Ivan Junqueira
Aos 23 anos, Felipe Fortuna revela-se artesão da maior competência. (…) A intimidade que revela no trato com a palavra permite afirmar que é um poeta que já aparece pronto, senhor dos seus recursos e de uma emoção extremamente decantada.
Felipe Fortuna é uma grata surpresa e uma promessa da qual se poderia dizer já estar em parte cumprida. Não é comum estrear com um livro em que não consta um único poema ruim – embora, é claro, haja desníveis. Fortuna se mantém ao nível de uma linguagem límpida e sóbria, de sabor às vezes quase clássico tamanho é seu zelo pelo idioma e pelo seu bom uso. O verso é sempre bem trabalhado e o autor se move muito à vontade – aliás, de medidas métricas quase regulares. Há poemas muito bons e pelo menos três excepcionais: “Meditação”, “Poema Escrito por Borges” e este comovidíssimo “Menina Morta”, em dísticos arrímicos, do qual transcrevo aqui o começo e o fim:
Tua morte não foi tão imediata
como foi saber que estavas morta (…)
Tuas mãos não sabem mais tocar as minhas,
teu nome líquido – não sei se resta.
Só sei que morreste com segredos,
pois o mundo é a doença mais secreta.
O exemplo, além de avaro, é precário, mas sugere que a fortuna de Felipe tende apenas a prodigalizar-se.