O GLOBO
Suplemento Prosa & Verso
Sábado, 28 de janeiro de 2006
O LUGAR DAS EMOÇÕES E DA RAZÃO
Luíz Horácio
Para início de conversa vamos deixar bem claro que tanto “obra reunida” como “poemas reunidos” não têm relação nenhuma com autor centenário, autor em estado terminal, tampouco obra com “trocentos” volumes e coisas dessas ordens. Obra reunida ou poemas reunidos, no mais das vezes, significa relevância, algo fora do lugar-comum, ou se preferirem, reunião dos, em se tratando de poesia, poemas mais representativos. É o caso de Em seu lugar — Poemas reunidos, de Felipe Fortuna, um grande exemplo de como combinar expressão com conteúdo, prova inconteste de que a poesia não firma compromisso tão somente com a emoção, mas também com a razão, com o pensar. No momento em que a maioria dos poetas acredita que a poesia deve se dissociar da vida em nome de uma realidade edulcorada, Fortuna expõe a simplicidade das emoções e oferece ao leitor a complexidade de sua obra.
Longe das artimanhas e da ‘coisificação’ das emoções
Todos sabemos que a cultura não tem obrigação de produzir arte, mas também convém acreditar numa cultura capaz de apresentar a arte que conduza à reflexão. Do contrário é puro samba, carnaval, a alienação e a tristeza dizendo no pé.
Estamos diante de uma linhagem de poetas possuidores de refinada erudição que muitas vezes utilizam o poema corno outdoor de sua formação. E se vocês repararem bem há um contingente considerável de diplomatas apostando suas fichas na poesia. Para o bem e para o mal. Por exemplo: o poeta e também diplomata Milton Torres, cujo livro No fim das terras está longe de ser hermético, no entanto viaja muito além da compreensão daqueles não habituados com a história da Brasil e a mitologia grega.
Na outra ponta temos os poetas que, embora donos de vasta cultura, buscam, em primeiro lugar; a aproximação com o público, sem abrir mão da qualidade, utilizam os sentimentos para apertar a mão do leitor. Paulo Bentancur, Astrid Cabral e Tanussi Cardoso para nomear três representantes. No caminho do meio transitam as obras de Luis Augusto Cassas e Carlos Nejar, dois de nossos maiores. É por este mesmo caminho que o poeta e diplomata Felipe Fortuna transita ao longo de Em seu lugar.
Felipe não utiliza as artimanhas tão comuns à maioria de seus colegas poetas, a de coisificar as emoções, não permitindo que o eu/poeta aproxime-se de quem lê. Do início ao fim destes poemas reunidos o privilegiado leitor estará em contato com um poeta que não evita os sentimentos, não peca pelo excesso de racionalidade, além de rechear a obra com metáforas cortantes abrandadas por um lirismo exato. O poeta impressiona pelo alto grau de expressividade contido em seus poemas capaz de elevar até o mais comezinho dia-a-dia.
Poemas apontam a evolução da obra do autor
É no trato da morte que fica explícito o comedimento deste poeta capaz de harmonizar emoção estética com a emoção lírica. Ao término do livro resta a sensação de que ficou faltando algo, que não se chegou exatamente a uma conclusão, mas o que é viver, estar vivo, senão não concluir. Adiar o ponto final
Os poemas apontam a evolução da poesia de Felipe Fortuna. Longe de ser um poeta monotemático, o que entendo como qualidade, consegue que seus livros se relacionem. E se no afã de encontrar semelhanças você, caro leitor, entender que é da morte que se está falando, atenção: examine com cuidado e veja se não é aquilo que antecede tanto vida quanto morte: o silêncio. Sem esquecer que o desejo brota no silêncio e, conforme diz Kierkegaard, “o amor gosta do silêncio.” No entanto, somos rápidos demais para viver e muitas vezes isso nos torna incapazes de apreciar um poeta desse porte.
