Outro motivo irá tornar claro que essa Ordenação não alcançará os fins almejados: considere-se a competência que devem ter os censores. É indiscutível que aquele que deve julgar o nascimento ou a morte dos livros, se eles devem passar por este mundo ou não, necessita ser um homem de qualidades incomuns, ao mesmo tempo estudioso, culto e judicioso. Não poderão ocorrer erros mesquinhos na censura do que é aceitável ou não, e nem mesmo vil injustiça. Por mais consciencioso que seja, o censor achará sua missão desagradável, e uma grande perda de tempo. Ver-se-á transformado no perpétuo leitor de livros e panfletos que não escolheu, muitas vezes pesados volumes. Nenhuma obra é aceitável em todas as estações. Forçar alguém a se debruçar a qualquer hora sobre manuscrito específico, em caligrafia quase ilegível, quando por sua própria vontade não engoliria sequer três páginas do mesmo texto, ainda que lindamente impresso, é imposição que não sei como uma pessoa que dê valor ao seu tempo ou a seus próprios estudos, e tenha narina sensível, é capaz de aguentar. Nesse particular, rogo que os atuais censores sejam perdoados por pensarem assim. Assumiram a obrigação, sem dúvida, em obediência ao Parlamento, cujo poder talvez faça a tarefa parecer fácil e descontraída para eles. Mas talvez essa curta experiência já os tenha esgotado. Suas próprias expressões e as desculpas que dão aos que vão procurá-los para liberar seus livros são prova suficiente desse fato. Vendo, então, que os atuais ocupantes do cargo manifestam, segundo tudo indica, o desejo de abandoná-lo; e convencido de que nenhum homem de algum mérito, cioso do seu tempo, se disponha a tomar-lhes o lugar, com um pífio salário de corretor de provas tipográficas, podemos facilmente prever que tipo de censores teremos de agora em diante: ignorantes, arrogantes, desleixados ou vergonhosamente mercenários. E era isso o que eu tentava demonstrar: que esta Ordenação conduz a esse resultado, por mais que sua intenção seja outra.
Passo, finalmente, do bem que esta não pode fazer ao mal que manifestamente fará, já que representa, antes de mais nada, um grande desencorajamento e uma afronta inimaginável ao saber e aos sábios. Com choro e ranger de dentes, nossos prelados sempre questionaram qualquer iniciativa parlamentar que ameaçasse acumulação de benefícios ou uma divisão mais justa das rendas da Igreja como coisa prejudicial e até calamitosa ao saber. De minha parte, jamais achei que a décima parte do saber estivesse ligada ao clero. A meu ver, um discurso desses é sórdido e indigno de qualquer eclesiástico que se queira competente. Se vos repugna desencorajar e contristar, não essa mercenária corja de falsos eruditos, mas aqueles tipos livres e engenhosos visivelmente nascidos para estudar e sinceramente interessados no saber pelo saber, e não para dele tirarem lucro, visando apenas ao serviço de Deus e da verdade e, talvez, àquela fama duradoura, o louvor eterno que Deus e os homens de bem prodigalizam àqueles cujo labor faz avançar o bem da humanidade — então sabei que pôr em dúvida o bom senso e a honestidade de alguém de reputação ilibada e jamais atacada, a ponto de julgar sua obra indigna de publicação sem o beneplácito de um tutor e examinador, como se ela fosse de fato capaz de disseminar um germe de corrupção ou provocar um cisma, é a pior ofensa e indignidade que se pode impor a alguém. Que vantagem tem o homem feito sobre o jovem estudante, se ele apenas escapou da palmatória para apanhar com a vara de um imprimatur? Que superioridade teria o adulto sobre o adolescente, se produções sérias e elaboradas não podem vir a lume sem passar antes pelo olhar superficial de um funcionário despreparado e inseguro? Aquele que não é levado a sério em suas ações, mas cuja intenção não é reconhecidamente má, e fica sujeito ao acaso da lei e do castigo, terá de concluir que o consideram, em sua própria terra, um idiota ou um estrangeiro. Quando um homem escreve para o mundo, ele chama ao seu auxílio tudo o que tem de inteligência e reflexão.